Fortalecer os indivíduos para mexer com as estruturas

Resultado da primeira edição do Edital Traços mostra que é possível combater o racismo institucional com ações afirmativas


Por Daniel Cerqueira e Iran Santos Silva


A primeira edição do Edital Traços, que visa fortalecer a trajetória profissional, educacional e pessoal de lideranças negras, apresentou dados relevantes para a compreensão de seu alcance nos seus objetivos de enfrentar o racismo institucional e  contribuir para ampliação da diversidade racial em espaços de influência e decisão na sociedade.

Lançado em 2020, o edital selecionou 31 lideranças que receberam o aporte financeiro de até R$ 15 mil para investir em seu plano de desenvolvimento com escolhas de cada um dos selecionados, a fim de contribuir com as suas carreiras e trajetórias. Essas lideranças apoiadas estavam distribuídas entre as seguintes regiões do país: 55% foram da região Sudeste, 23% do Nordeste, 13% do Centro-Oeste, 6% do Norte e 3% do Sul.

Com este valor, 42% das lideranças decidiram ingressar em pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu). As aprovadas em programas de mestrado/doutorado relatam que o apoio do edital foi importante para também elevar sua proficiência em inglês, colocando-as em nova etapa da vida acadêmica, uma vez que a língua estrangeira é pré-requisito para a pós-graduação.

Dentro das modalidades Carreira Corporativa, Política Institucional e Ações Sociais, Culturais e/ou Artísticas, 22% receberam promoções em seu atual trabalho ou foram contratadas para assumir cargos de nível hierárquico superior em novas empresas, em comparação com a sua última ocupação.

Para Viviane Soranso, coordenadora do Programa de Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal, a realidade dos resultados foi muito mais positiva do que se esperava. “Tínhamos uma expectativa de que com esse recurso disponibilizado, as lideranças conseguiriam ter mais autonomia nas suas escolhas. Porém, com as consequências desse processo de pandemia, ficamos um pouco apreensivos. Mesmo diante desse contexto difícil, as lideranças conseguiram se superar. Isso mostra a importância de investir nelas e acreditar na própria avaliação para os seus planos de desenvolvimento.”

A participação na primeira edição do Edital Traços possibilitou às lideranças apoiadas que percebessem mudanças significativas em seu dia a dia, em sua trajetória, em suas vidas e nas suas metas, sejam profissionais, educacionais ou pessoais. Após a sua participação, 57% delas declararam que desenvolveram maior autoconfiança, 32% ampliaram suas perspectivas e/ou oportunidades de trabalho e 7% elevaram seu engajamento para atuar em favor da equidade racial.

Luciene do Carmo, uma das participantes deste processo, acredita na força de ações afirmativas que apoiam as pessoas das periferias. “A gente precisa só de uma pessoa acreditando e indo junto. Quando você tem um apoio, melhora a autoestima e vislumbra a esperança. Uma cota, uma bolsa, um edital, que te dê o mínimo de oportunidade de ter acesso, é fundamental para projetar nossos talentos e ter uma oportunidade de mostrá-los”.

Para além do ganho pessoal, o fortalecimento dessas lideranças contribui para mexer também com as estruturas e combater o racismo institucional presente no mundo do trabalho e nos espaços de poder, conforme relata Viviane.

“Esse aumento da Plataforma Alas contribui para o enfrentamento do racismo institucional, porque a gente consegue fortalecer suas lideranças nas suas lacunas e consegue fazer com que elas estejam de forma mais integrada e fortalecidas nesses espaços. E, estando mais fortalecidas, elas conseguem enfrentar o racismo de suas diferentes formas dentro desses espaços.”


Traços: segunda edição em andamento

A segunda edição do edital teve 180 lideranças inscritas, sendo 125 relativas ao eixo de Política Institucional e outros 55 à categoria Carreira Jurídica.

A edição mais recente contou com 71 lideranças selecionadas, entre as quais 29 (40,8%) eram do Sudeste e 27 (38%), do Nordeste. Ainda, três candidatas(os) (4,2%) eram do Centro-Oeste; cinco (7%) do Sul e o Norte abrigou sete (9,8%) das pessoas contempladas. Ao correlacionar os dados das edições, nota-se que as regiões Norte e Nordeste tiveram aumento considerável no número de lideranças apoiadas. A difusão desse tipo de iniciativa é importante para criar pontes entre as regiões do país, principalmente com o Norte e o Nordeste, onde os recursos têm mais dificuldades de chegar. Para combater a desigualdade social e racial é necessário também descentralizar a captação de recursos, empoderar lideranças negras e continuar incentivando a diversidade racial nos espaços de decisão e influência na sociedade. 


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